O Traje das Crianças
Philippe Airès História Social da Criança e da Família.
2º ed., 1978
A
indiferença marcada que existiu até o século XIII—a não ser quando se tratava
de Nossa Senhora menina – pelas características próprias da infância não aparece
apenas no mundo das imagens: o traje da época comprova o quanto a infância era
então pouco particularizada na vida real. Assim que a criança deixava os
cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela
era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição. Para nós é
difícil imaginar essa confusão, mós que durante
tanto tempo usamos calças curtas
, hoje sinal vergonhoso de uma infância retardada. Na minha geração, os
meninos deixavam as calças curtas no fim do 2º ano colegial, após uma certa
pressão sobre pais recalcitrantes: meus pais ,por exemplo, pediam-me paciência , citando o caso de um tio general que entrara
para a academia militar de calças curtas! Hoje em dia a adolescência se expandiu para traz e para a frente , e o
traje esporte , adotado tanto pelos
adolescentes como pelas crianças , tende a substituir as roupas típicas da
infância do século XIX e inicio do século XX. Em todo o caso, se o período
1900-1920 prolongava ainda até muito tarde no jovem adolescente as
particularidades de um traje reservado a infância, a Idade Média vestia
indiferentemente todas as classes de idade, preocupando-se apenas em manter
visíveis através da roupa os degraus da hierarquia social. Nada, no traje
medieval, separava a criança do adulto.
Não seria possível imaginar atitudes mais diferentes com relação à infância.
O
Delfim, herdeiro do trono
francês (em óleo de
1661).
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No século
XVII, entretanto, a criança, ou ao menos a criança de boa família, quer fosse
nobre ou burguesa, não era mais vestida como os adultos. Ela agora tinha um
traje reservado à sua idade, que a distinguia
dos adultos. Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar lançado
a numerosas representações de crianças
do inicio do século XVII.
Consideramos
a bela tela de Philippe de Champaigne do museu de Reims que representa os sete
filhos da família Harbert. O filho mais velho tem dez anos, e o mais moço, oito
meses. Essa pintura é preciosa para o nosso estudo, pois o artista inscreveu a
idade precisa, incluindo os meses, de cada um de seus modelos. O mais velho, de
dez anos, já se veste como um homenzinho, envolto em sua capa: na aparência,
pertence ao mundo dos adultos. Apenas na aparência, sem duvida, pois ele deve
frequentar os cursos de um colégio, e a
vida escolar prolonga a idade da infância. Mas o menino certamente não
continuará no colégio por muito tempo, e o deixará para se misturar aos homens
cujo traje já veste e de cuja vida logo partilhará nos campos militares, nos
tribunais ou no comercio. Mas os dois gêmeos, que estão afetuosamente de mãos
dadas e ombros colados, têm apenas quatro anos e nove meses: eles não estão
mais vestidos como adultos. Usam um
vestido comprido, diferente daquele das mulheres, pois é em aberto na frente e
fechado ora com botões, ora com agulhetas, mais parece uma sotaina
eclesiástica. Esse mesmo vestido é encontrado no “ quadro da Vida Humana ” de
Cebes. Aí, a primeira idade, ainda mal siada no não-ser, está nua; as duas
idades seguintes estão enroladas em cueiros. A terceira, que deve ter por volta
de dois anos e ainda não fica de pé sozinha, já usa um vestido, sabemos que se
trata de um menino. A quarta idade, montada em seu cavalo de pau, usa mesmo vestido comprido, aberto e abotoado na
frente como uma sotaina dos gêmeos
Harbert de Philippe Champaigne. Esse vestido foi usado pelos meninos pequenos
durante todo o século XVII.
Encontramo-lo em Luís XIII, como por exemplo, no jovem de Bethisy, pintado por
Belle por volta de 1710. Nesse último quadro, o vestido do menino não é mais
abotoado na frente, mas continua diferente das meninas e não comporta
acessórios de fazenda branca.
Tela
de Thoma DerKinderreigen, onde retrata
Luís XIII, brincando com outras
crianças.
Esse
vestido pode ser muito simples, como o da criança montada a cavalo do “quadro
da Vida Humana”. Mas pode também ser
suntuoso e terminar por uma cauda, como o do jovem Duque de Anjou da gravura de
Arnoult.
Esse
vestido em forma de sotaina não era a primeira roupa da criança usada depois que ela deixava os
cueiros. Voltemos aos retratos das crianças Habert, de Philippe Champaigne.
François que tem um ano e 11 meses, e o
caçula, de oito meses, vestem-se ambos exatamente como sua irmã, ou seja, como
duas mulherezinhas : saia , vestido e
avental. Esse era o traje dos meninos menores. Tornara-se hábito do século XVI
vesti-los como meninas, e estas por sua vez, continuavam a se vestir como
mulheres adultas. A separação entre crianças e adultos ainda não existia no caso
das mulheres. Erasmo, em Le Mariage Chrétien nos dá
uma descrição desse traje, que o seu editor francês
de 1714 traduziu sem dificuldade, como coisa que persistia em sua época:
“Coloca-se(nas crianças) uma camisola curta, meias bem quentes, uma anágua
grossa e o vestido de cima, que tolhe os ombros e os quadris com uma grande quantidade de tecido e pregas, e diz-se a elas que toda essa
tralha lhes dá um ar maravilhoso”. Erasmo denunciava essa moda, nova em sua
época, e preconizava maior liberdade para os jovens corpos; sua opinião, porém,
não prevaleceu contra os costumes e foi precioso esperar até o fim do século
XVIII para que o traje da criança se
torna-se mais leve, mais folgado, e a deixasse mais à vontade. Um desenho de
Rubens mostra-nos que um traje de um menino pequeno ainda parecido com o de Erasmo: o vestido aberto,
sob o qual aparece a saia. A criança esta começando a andar e é segura por
tiras que pendem em suas costas. No diário de Heroard, que nos permite
acompanhar dia a dia a infância de Luís XIII, lemos sob a data de 28 de junho
de 1602(Luís XIII tinha então nove meses): “Foram colocadas tiras à guisa de
guias em seu vestido, para lhe ensinar a andar”. O mesmo Luís XIII não gostava
que sua irmã usasse um vestido parecido
com o seu: “Madame chego com um vestido igual ao dele, e ele a mandou embora,
com ciúmes”. Enquanto os meninos usavam esse traje feminino, dizia-se que eles
estavam à la bavette, ou seja, eram crianças “de babador”.
Isso durava até por volta de
quatro-cinco anos. Jean Rou, que nasceu em 1638, conta em suas memórias
que teve uma infância precoce e que foi enviado ao colégio de Harcourt
acompanhado de uma criada: “Quando eu ainda estava à la bavette, ou
seja quando ainda não usava vestido comprido com gola que precedia as calças
justas pelos joelhos”, “eu era o único ridicularmente vestido da maneira coo
acabo de descrever(ou seja, vestido de menina), de sorte que era uma espécie de
novo fenômeno naquele lugar, que nunca havia ocorrido antes”. A gola do vestido
era uma gola de homem. Os costumes, dessa época em diante, ditaram regras de
vestir para as crianças, de acordo com a sua idade: primeiro o vestido das
meninas, e depois “o vestido comprido com gola”, que também era chamado de jaquette . O regulamento de uma pequena escola ou escola
paroquial de 1654 determinava que as domingos as crianças fossem levadas à
igreja para assistir à missa, após a instrução religiosa, e que não se
misturassem os pequenos e os grandes, ou seja, os vestidos curtos e os vestidos
compridos: “Os pequenos de jaquette deverão ser
colocados todos juntos ”.
Os alunos uniformizados.
O diário
da infância de Luís XIII que Heroard mantinha mostra a seriedade com que então
se começo a tratar o traje da criança: a roupa tornava visíveis
as etapas do crescimento que transformava a criança em homem. Essas
etapas outrora despercebidas, haviam-se tornado espécies de ritos que era
preciso respeitar e que Heroard registrava cuidadosamente como questões
importantes. Em 17 de julho de 1602, foram colocadas a tiras de guisa de guias
no vestido de Delfim. Eles a usaria durante mais de dois anos: aos três anos e
dois meses, ele recebeu “o primeiro vestido sem guias”. O menino ficou
encantado, e disse ao capitão guarda: “Capitão, não tenho mais guias, vou andar
sozinho”. Alguns meses antes, ele abandonara
o berço e passara a dormir numa cama: era uma etapa. No seu aniversário
de quatro anos, usou calças justas pelo e joelhos por baixo do vestido, e um
ano mais tarde, em 7 de agosto de 1606, foi-lhe retirada a “touca de criança”
ele percebeu o chapéu dos homens. Essa também foi uma data importante: “ Agora
que deixais vossa touca não sereis mais uma criança, começai a vós tornar
homem”(7 de agosto de 1606). Mas seis dias depois, a rainha mandou que lhe
pusessem novamente a touca.
8 de janeiro de 1607: “ Ele perguntava
quando começa a usar as calças justas pelos joelhos(em lugar do vestido).Mme
de Montglas lhe diz que será quando tiver oito anos”.
A 6 de
Junho de 1608, quando Luís tinha sete anos e oito meses, Heroard registrou com
carta solenidade: “ Hoje ele foi vestido com um gibão e calças pelos joelhos,
deixou o traje da infância (ou seja, o vestido), e recebeu a capa e a espada( como o mais velho dos pequenos
Habert de Philippe de Champaigne)”. Algumas vezes, entretanto, colocavam-lhe
novamente o vestido, como já haviam feito com a touca, mas ele detestava isso:
quando vestia o gibão e as calças pelos joelhos, “ficava extremamente contente
e alegre, e não queria por o vestido”. Os hábitos de vestir, portanto, não são
apenas uma frivolidade. A relação entre o traje é a compreensão daquilo que ele
representa esta aqui bem marcada.
Nos colégios, os semi-internos usavam o
vestido por cima das calças justas até os joelhos. Os diálogos de Cordier, do
fim do século XVI, descrevem-nos o despertar de um aluno interno: “Depois de
acordar, levantei-me da cama, vesti meu
gibão e minha capa curta, sentei-me num banco, peguei minhas calças ate
os joelhos e minha meia, vesti-as, peguei meus sapatos prendi minhas calças e
meu gibão com agulhetas, prendi minha meia com ligas abaixo dos joelhos, peguei
o cinto, penteei os cabelos, peguei o gorro e o coloquei com cuidado, vesti meu
vestido”, e depois “sai do quarto”...
Em Paris,
no inicio do século XVII: “imaginem portanto Francion entrando na classe , com
as ceroulas saindo por baixo de suas calças até os joelhos e descendo até os
sapatos , o vestido colocado torto e a pasta embaixo do braço , tentando dar
uma fruta podre a um e um piparote no nariz do outro”.No século XVIII o
regulamento do internato da La Flèche dizia que o enxoval dos alunos devia
incluir “um vestido de interno” que devia durar dois anos.
Traje do século XVIII.
Essa
diferenciação de traje não era observada nas meninas .Estas, como os meninos de
outrora, do momento em que deixavam os cueiros eram logo vestidas como mulherezinhas.
Contudo, se olharmos de perto as representações de criança do século XVII,
notaremos que o traje feminino tanto dos meninos pequenos tanto das meninas
pequenas comportava um ornamento singular, que não era encontrado no traje das
mulheres: duas fitas largas presas ao vestido atrás dos dois ombros, pendentes
nas costas. Vemos essas fitas de perfil na terceira criança Habert partir da
esquerda; na quarta idade da Tabula Cebetis (a criança
de vestido brincando com o cavalo de pau);e na menina de dez anos da escala das
idades do inicio do século XVIII, “miséria humana ou as paixões da alma em
todas as suas idades”—para limitar nosso exemplos às imagens já comentadas
aqui. Observamo-las com frequência em numerosos retratos de crianças, até
Lancret e Boucher. Elas desaparecem no fim do século XVIII, época em que o
traje da criança se transforma. Um dos últimos retratos de crianças com as
fitas nas costas talvez seja o que Mme Gabrielle Guiard pintou para
Mesdames Adelaide e Victoire em 1788. O retrato representa a irmã dessas, a
Infanta que havia morrido cerca de 30 anos atrás. A Infanta tinha vivido 32
anos. Mme Gabrielle Guiard a representou, contudo, como uma criança,
ao lado de sua ama, e essa preocupação em conservar a lembrança de uma “mulher
de trinta anos”, levando-a de volta ao tempo de sua infância, revela um sentimento
inteiramente novo. A Infanta criança tem bem visíveis as fitas das costas, que
ainda se usavam por volta de 1730, mas que haviam passado de moda no momento em
que o quadro foi pintado.
Portanto, no século
XVII e inicio do XVIII, essas fitas nas costas haviam-se tornado signos da
infância, tanto para os meninos como para as
meninas. Os estudiosos modernos sem dúvida ficaram intrigados com esse
apêndice do vestuário reservado á infância, Eles foram confundidos com as
“guias” (as tiras nas costas das roupas das crianças pequenas que ainda não
andavam com firmeza). No pequeno museu da abadia de Westminster, foram expostas
algumas efígies mortuárias de cera que representavam o morto e que eram
colocadas sobre o ataúde durante as cerimônias fúnebres, uma prática medieval
que se manteve na Inglaterra até cerca de 1740. Uma dessas efígies representa o
pequeno marquês de Normamby morto aos três anos de idade: ele está vestido com
uma saia de seda amarela, recoberta por um vestido de veludo(o traje das crianças
pequenas) e usa essas fitas chatas da infância, que o catálogo descreve como
guias. Na realidade, as guias eram cordinhas que não se apareciam com essas
fitas. Uma gravura de Guérard ilustrando a
“idade viril” mostra-nos uma criança(menina ou menino) usando um
vestido, penteada à la Fontange, e vista de costas; entre as duas fitas que pendem
dos ombros, vê-se claramente a cordinha que servia para ajudar a criança a
andar.
Essa
análise nos permitiu descobrir alguns hábitos de vestuário próprios da infância
que eram adotados comumente no final do
século XVI e que foram conservados até o fim do século XVIII. Esses hábitos,
que distinguiam o traje das crianças do
traje do adultos, revelam uma nova preocupação, desconhecida da Idade Média, de
isolar as crianças, de separá-las através de uma espécie uniforme. Mas qual é a
origem desse uniforme da infância?
O vestido
das crianças nada mais é que do que traje longo da Idade Média, dos séculos XII e
XIII, antes da revolução que o substituiu no caso dos homens pelo traje curto,
com calças aparentes, ancestrais do nosso traje masculino atual. Até o século
XIV, todo o mundo usava um vestido ou túnica, mas a túnica dos homens não era a
mesma das mulheres. Geralmente era mais curta, ou então aberta na frente. Nos
camponeses dos calendários do século XIII, ela parava nos joelhos, enquanto nas
grandes personagens veneráveis, descia até os pés. Houve, em suma, um longo
período em que os homens usavam um traje justo e longo, que se opunha ao traje
drapeado tradicional dos gregos ou dos romanos: o traje longo continuava os
hábitos dos bárbaros gauleses ou orientais, que se haviam introduzido na moda
romana nos primeiros séculos de nossa era. Ele foi uniformemente adotado tanto
no Ocidente como no Oriente: o traje turco também teve origem na túnica longa.
A partir
do século XIV, os homens abandonaram a túnica longa pelo traje curto até mesmo
colante, para o desespero dos moralistas e dos pregadores, que denunciavam a
indecência dessas modas, sinais da
imoralidade dos tempos! De fato, as pessoas respeitáveis continuaram a usar a
túnica longa— respeitáveis por sua idade (até o inicio do século XVII, os
anciãos são representados vestindo a túnica longa), ou por sua condição:
magistrados, estadistas, eclesiásticos. Alguns nunca deixaram de usar o traje
longo e o usam até hoje, ao menos em certas ocasiões: os advogados, os
magistrados, os professores, os eclesiásticos. Os eclesiásticos, aliás, quase o
abandonaram, pois quando o traje curto se impôs definitivamente, e quando, no
século XVII, já se havia completamente esquecido o escândalo de sua origem, a
sotaina do eclesiástico tornou-se muito ligada à função eclesiástica para ser
um traje de bom-tom. Os padres tiravam a batina para se apresentar a sociedade,
ou mesmo diante de seu Bispo, da mesma forma como os oficiais tiravam o traje
militar para aparecer na corte.
As
crianças também conservaram o traje longo, ao menos de boa condição. Uma
miniatura dos Miracles Notre-Dame do século XV representa
uma família reunida em torno do leito da mãe que acaba de dar à luz; o pai
veste um traje curto, com calças justas e gibão, mas as três crianças usam um
vestido comprido. Na mesma série, a criança que dá de comer ao Menino Jesus usa
um vestido aberto ao lado.
Na Itália,
ao contrário, a maioria das crianças dos
artistas do quattrocento usa calças colantes dos adultos. Na
França e na Alemanha parece que essa moda não foi bem aceita, e que se manteve
o traje longo para as crianças. No inicio do século XVI, esse hábito foi
consagrado e tornou-se regra geral: as crianças sempre usavam o vestido
comprido. Algumas tapeçarias alemãs
dessa época mostram crianças de quatro anos e de vestido longo, aberto na
frente. Algumas gravuras francesas de Jean Leclerc, que têm como tema os jogos
infantis, mostram crianças usando por cima usando por cima das calças
justas o vestido abotoado na frente, que
e tomou assim o uniforme de sua idade.
Traje das crianças da França e
Alemanha no inicio do seculo XVI.
As fitas chatas nas costas que, no século XVII, também
distinguiam as crianças, fossem meninos ou meninas, têm a mesma origem do
vestido comprido. As capas e túnicas do século XVI muitas vezes tinham mangas
que se podiam vestir ou deixar pendentes. Na gravura de Leclerc que representa
crianças jogando víspora, podemos ver algumas dessas mangas, presas apenas por
alguns pontos. As pessoas elegantes, e sobretudo as mulheres elegantes,
gostaram do efeito dessas mangas pendentes. Como não eram mais vestidas essas
manas tornaram-se ornamentos sem utilidade e se atrofiaram, como órgãos que
deixam de funcionar: perderam a cavidade interna por onde passava o braço, e,
achatadas lembram duas fitas largas presas atrás dos ombros. As fitas das
crianças dos séculos XVII e XVIII são os últimos restos das falsas mangas do
século XVI. Essas mangas atrofiadas também são encontradas, alias, em outros
trajes, tanto populares como cerimoniais: na túnica camponesa, que os irmãos
Ignorantinhos adotaram como traje religioso
no início do século XVIII, nos primeiros trajes propriamente militares,
como os dos mosqueteiros, na libré dos lacaios, e finalmente no raje de pajem,
ou seja, no traje de cerimônia das crianças e dos meninos d boa família que
eram confiados a outras famílias para as quais presentavam certos serviços
domésticos. Esses pajens do tempo de Luís XIII usavam calças bufantes no estilo
do século XVI, e falsas mangas pendentes. Esse traje de pajem tendia a se
tornar em traje de cerimônia, usado em sinal de honra e de respeito: numa
gravura de Lepautre, veem-se meninos vestido com o traje arcaizante de pajem
ajudando a missa. Mas esses trajes de cerimônia eram mais raros, enquanto a
fita chata era encontrada nos ombros de todas as crianças, os meninos e
meninas, nas boas famílias, querem fossem nobres ou burgueses.
Catherine
Eleonore; de Bethisy e seu irmão .
Óleo
sobre a tela; 1674-1734. Versailles,
France.
Assim, para
distinguir a criança que antes se vestia como os adultos, foram conservados
para seu usa exclusivo traço dos trajes
antigos que os adultos haviam abandonado, algumas veze a longo tempo. Esse foi
o caso do vestido, ou túnica longa, e das mangas falsas. Fio o caso também da
touca usada pelas criancinhas de cueiros: no século XIII, a touca ainda era o
gorro masculino normal que prendia os cabelos dos homens durante o trabalho,
como podemos ver nos calendários de Notre-Dame d’Amiens e outros.
O primeiro traje das crianças foi o traje usado por todos cerca de um
século antes, e que num determinado momento elas passaram a ser a únicas a
invergar. Evidentemente não se podia inventar do nada uma roupa para
as crianças. Mas sentia-se a necessidade de separá-las de uma forma visível ,
através do traje. Escolheu-se então para elas um traje cuja tradição fora
conservada em certas classes, mas que ninguém mais usava. A adoração de um
traje peculiar á infância, que se tornou geral nas classes altas á partir do fim do século XVI , marca uma
data muito importante na formação do sentimento da infância, esse sentimento
que constituiu as crianças numa sociedade separada da dos adultos(de um modo
muito diferente dos costumes iniciatórios). Não devemos esquecer a importância
que o traje tinha na França antiga. Muitas vezes ele representava um capital
elevado. Gastava-se muito com roupas, e , quando alguém morria tinha-se o
trabalho de fazer o inventario dos guarda roupas como hoje o faríamos apenas
com relação á casacos de pele. As roupas custavam muito caro , e havia
tentativas de frear, através de leis suntuárias o luxo do vestuário que
arruinava alguns e permitia a outros dissimular seu estado social e seu nascimento. Mais que em nossas sociedades
contemporâneas, onde isso ainda se explica as mulheres, cuja roupa é o sinal aparente
necessário da prosperidade da família, da importância de uma posição social o
traje representava com vigor o lugar daquele que o vestia numa hierarquia
complexa e indiscutida. Cada um usava o traje de sua condição social: os
manuais de civilização insistiam muito na indecência que haveria se as pessoas
se vestissem de maneira diferente e como deveriam , de acordo com sua idade ou
seu nascimento. Cada nuança social era traduzida por um signo especial no
vestuário. No final do século XVI o costume decidiu que a criança agora reconhecida
como uma entidade separada, tivesse também seu traje particular.
Observamos
que na origem do traje infantil havia um arcaísmo: a sobrevivência da túnica
longa. Essa tendência ao arcaísmo substituiu: no fim do século XVI, na época de
Luís XVI, os meninos pequenos eram vestidos com golas no estilo Luís XIII ou
Renascimento. As crianças pintadas por Lancret e Boucher frequentemente são
representadas vestidas segundo a moda do século anterior.
Mas, a partir do século XVII,
duas outras tendências iriam orientar a evolução do traje infantil. A primeira
acentuou o aspecto afeminado do menino pequeno. Vimos acima que o menino à la bavette, antes ‘’vestido com gola’’ usava o vestido e a saia das meninas.
Essa efeminação do menino pequeno, observado já em meados do século XVI, de
inicio foi uma coisa nova, apenas indicada por alguns poucos traços. Por
exemplo, no começo, a parte de cima da roupa do menino conservava as
características do traje masculino. Mas logo o menino pequeno recebeu a gola de
rendas das meninas, que era exatamente igual à das senhoras. Tornou-se
impossível distinguir um menino de uma menina antes dos quatro ou cinco anos,
esse habito se fixou de maneia definitiva durante cerca de dois séculos. Por
volta de 1770, os meninos deixaram de usar o vestido com gola aos quatro-cinco
anos. Antes dessa idade, porem, eles eram vestidos como meninas, e isso continuaria
até o fim do século XIX: o habito de efeminar os meninos só desapareceria após
Primeira Guerra Mundial, e seu abandono deve ser relacionado com o abandono do
espartilho das mulheres: uma revolução de traje que traduz a mudança dos
costumes. É curioso notar também que a preocupação em distinguir a criança se
tem a limitado principalmente os meninos:
as meninas só foram distinguidas pelas mangas falsas abandonadas no
século XVIII, como se a infância separa-se menos as meninas dos adultos do que
os meninos. A indicação fornecida pelo traje confirma os outros testemunhos da
historia dos costumes: os meninos foram as primeiras crianças especializadas.
Eles começaram a frequentar em massa os colégios já no fim do século XVI inicio
do século XVII. O ensino das meninas começou apenas na época de Fénelon de Mme de Maintenon, e só se
desenvolveu tarde lentamente. Sem uma escolaridade própria, as meninas eram
muito cedo confundidas com as mulheres, como outrora os meninos eram
confundidos com os homens, e ninguém pensava em tornar visível através do traje
uma distinção que começava a existir concretamente para os meninos, mas que
ainda continuava inútil no caso das
meninas.
Por que, a fim de distinguir o menino dos homens, se assimilava o
primeiro à meninas, que não eram distinguidas das mulheres? Por que esse
costume, tão novo e tão surpreendente numa sociedade em que se entrava cedo na
vida, durou quase até nossos dias, ou ao menos ate o inicio deste século,
apesar das transformações dos costumes e do prolongamento do período da
infância? Tocamos aqui no campo ainda inexplorado da consciência da sociedade
toma de seu comportamento com relação à idade e ao sexo: até hoje, não se
estudou sua consciência de classe!
Uma outra tendência que, assim como o arcaísmo e a efeminação,
certamente também nasceu do gosto pelo disrfarce, levou as crianças de família
burguesa a adotar traços dos trajes das classes populares ou do uniforme de
trabalho. Aqui, a criança precederia a moda masculina, e usaria calças
compridas já durante o reinado de Luís XVI, antes da época dos sans-culottes (nome dado aos revolucionários republicanos da
Revolução Francesa). O traje da criança bem vestida da época de Luís XVI era ao
mesmo tempo arcaizante (gola Renascentista), popular (calças compridas) e
militar (túnica e botões do uniforme militar).
As famílias no século XVI.
No inicio do século XVII não existia um traje propriamente
popular, e tampouco havia a fortiori trajes
regionais... Os pobres usavam as roupas que lhes davam ou que comprovam em
belchiores. A roupa do povo era uma roupa de segunda mão (a comparação entre a
roupa de ontem e o automóvel de hoje não é tão retorica como parece: o carro
herdou parte do sentido social que a roupa tinha e praticamente perdeu). Logo,
o homem do povo se vestia segundo a moda do homem de sociedade de algumas
décadas atrás: mas ruas de Paris de Luis XIII, ele usava o gorro de plumas do
século XVI, enquanto as mulheres usavam a touca que estivera a moda na mesma
época. Esse atraso variava de uma região para outra, segundo a presteza com que
a boa sociedade local seguia a moda do dia. No inicio do século XVIII as
mulheres de certas regiões, como as margens do Reno, por exemplo, ainda usavam
toucas do século XV. Durante o século XVIII, essa evolução e interrompeu e
fixou-se em consequência de um afastamento moral com mais acentuado entre os
riscos e os pobres e de uma separação física de sucedeu a uma promiscuidade
milenar. O traje regional originou-se ao mesmo tempo de um gosto novo pelo
regionalismo ( era a época das grandes histórias regionais da Bretanha, da
Provença etc., e de um ressurgimento do interesse pelas línguas regionais que
se haviam transformado em dialetos em virtude do progresso do francês), e das diferenças
reaisdos trajes, provocadas pela variação de prazos com que as modas da
cidade e da corte alcançavam cada
população e cada religião.
Nos grandes
subúrbio populares , no final do século XVIII, os homens começaram a usar um
traje mais específico: as calças compridas, que equivaliam então ao avental do
operário do século XIX—o andrajo informe e anacrônico , ou a roupa usada, do
belchior. Devemos ver aí a expressão espontânea de uma particularidade coletiva
algo próximo de uma tomada de consciência de classe. Surge, portanto , um modo
de vestir próprio de artesão—as calças compridas. As calças compridas há muito
tempo era o traje dos homens do mar.
Quando apareciam na comédia italiana, geralmente eram usadas pelos marinheiros
e pelos habitantes do litoral: flamengos, renanos , dinamarqueses e
escandinavos. Esses últimos ainda eram usados
no século XVII , a julgar pelas coleções de trajes dessa época. Os
ingleses as havam abandonado mas já as conheciam no século XII. As calças
compridas se tornaram o uniforme das marinhas de guerra quando os Estados mais
organizados defendiam a vestimenta de suas tropas e de suas tripulações. Dai ,
ao que parece, elas passaram ao pov dos subúrbios populares, a quem já
repugnava usar os andrajos dos mendigos, e aos meninos pequenos de boa
condição.
O uniforme
recém-criado foi rapidamente adotado pelas crianças burguesas, primeiro nos
internatos particulares, que se haviam tornado mais numerosos após a expulsão
dos jesuítas, e que muitas vezes preparavam meninos para as academias e as
carreiras militares. A silhueta agradou, e os adultos passaram a vestir seus
meninos com um traje inspirado em um uniforme militar ou naval: assim se criou
o tipo do pequeno marinheiros que persistiu do fim do século XVIII até nossos
dias.
Tela conhecida como
As meninas de Azul e Rosa.
A adoção
das calças compridas para as crianças foi em parte uma consequência desse novo
gosto pelo uniforme, que iria conquistar os adultos no século XIX , época em
que o uniforme se tornou um traje de gala e de cerimônia , algo que jamais
havia sido antes da Revolução. Foi inspirada também, sem duvida, pela
necessidade de liberar a criança do incomodo que lhe impunha seu traje
tradicional, de lhe dar uma roupa mais
desalinhada. E esse desalinho daí em diante seria exibido pelo povo dos subúrbios
com uma espécie de orgulho. Graças às calças compridas do povo e dos marinheiros,
os meninos se libertavam tanto do vestido comprido fora de moda e demasiado
infantil, como das calças justas até os joelhos demasiado cerimoniosas. Aliás,
sempre se havia achado divertido dar às crianças de boa família algumas
características do traje popular, como o barrete dos trabalhadores dos
camponeses e, mais tarde, dos forçados, que os revolucionários, com seu gosto
clássico, batizaram de barrete frígio: uma bravura de Bonnard mostra-nos uma
criança com esse barrete. Em nossos dias, assistimos a uma transferência de
trajes que apresenta algumas semelhanças com a adoração das calças compridas
para os meninos no tempo de Luís XVI: o macacão do trabalhador e as calças de
lona azul tornaram-se os blue jeans que os jovens
usam com orgulho, como o signo visível de sua adolescência.
Assim,
partindo do século XIV, em que a criança se vestia como adultos, chegamos ao
traje especializado da infância, que hoje nos é familiar. Já observamos que
essa mudança já afetou sobretudo os meninos. O sentimento da infância beneficiou
primeiro meninos, enquanto as meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional
que as confundia com adultos: seremos levados a observar mais de uma vez esse
atraso das mulheres em adotar as formas visíveis da civilização moderna,
essencialmente masculina.
Se nos
limitarmos ao testemunho fornecido pelo traje, concluiremos para a
particularização da infância durante muito tempo se restringiu aos meninos. O
que é certo é que isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As
crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as crianças que brincavam nas praças das aldeias,
nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje
doa adultos: jamais são representadas usando vestido comprido ou mangas falsas.
Elas conservaram o antigo modo de vida
que não separava as crianças dos adultos, nem através do traje, nem através do
trabalho, nem através dos jogos e brincadeiras.
A Historia desta epoca,foi muito encantadora com essas vestimentas maravilhosas,foi mais um aprendizado para ,a minha formaçao,obrigado.....
ResponderExcluirA Historia desta epoca,foi muito encantadora com essas vestimentas maravilhosas,foi mais um aprendizado para ,a minha formaçao,obrigado.....
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